Cisma do Ocidente

Imaginemos um Planeta com diversos países que sempre se guerrearam. Após violentas batalhas durante séculos, conseguiram chegar a um consenso para regularem e arbitrarem os diversos interesses: formaram a União de Países (U.P.), onde todos podiam participar (embora com poderes proporcionais) desde que respeitassem as suas próprias leis. Havendo um País mal comportado é missão da U.P., utilizando os meios legitimos, obrigá-lo a cumprir as leis que todos se comprometeram a respeitar. Supondo que todos os meios são usados sucessivamente, prazos ultrapassados, e esse país continua a não cumprir, abusando da confiança da comunidade planetária. Os próprios habitantes do país sofrem há décadas com o despotismo do regime deste país fora-da-lei. Tendo como objectivo principal a Paz entre os países, e a legitimidade e autoridade conferida pelas leis aceites por todos, a União se não quer perder força, chega ao ultimato a esse país: ou entra no bom caminho ou está sujeita, à força, a cumprir o exigido. Não se quer destruir o país, antes pelo contrário, libertá-lo para que seja integrado em pleno na comunidade das Nações. Os países mais poderosos e responsáveis, e também outros com afinidades culturais com o "acusado" concordam com este ultimato. São definidos passos concretos que o regime em falta terá que cumprir obrigatoriamente, e num prazo estabelecido a União decidirá. O regime fora da lei cumpriu aquilo que se exigia? Se sim, a União deve abster-se de qualquer medida agressiva, mas no caso contrário, deve proceder-se àquilo que estava implicito na decisão tomada anteriormente.

O cerne da questão, que representa hoje um Cisma do Ocidente é a interpretação: para uns o Iraque de Saddam cumpriu, ou pelo menos devia ter sido dado mais tempo à Comissão Blix, para outros, as respostas à Resolução 1441 foram negativas, e as "sérias consequências" foram correctamente tomadas. O livro de Fernando Gil, "Impasses" aborda esta questão de uma forma séria, e lembrei-me desta seriedade filosófica quando li o artigo de Miguel Sousa Tavares criticando Aznar. Que diferença entre o jornalismo, para ser consumido "em fim-de-semana" e um livro que se baseia apenas na Razão, exigindo rigor, capacidade de argumentar e reflectir claramente, numa palavra, utilizando o pensamento lógico da Filosofia. E isto é o legado deixado aos Ocidentais por gregos e romanos.

Mesmo se não concordarmos com o desfecho da invasão do Iraque, (devido a, como se provou, e já se sabia, aparentemente, o Iraque não ter Armas de Destruição, e mentiras foram ditas) , isso não impede de o caminho da ONU, o Direito Internacional, só poder ser eficaz se houver poder e vontade, mesmo quando se ponha a necessidade do uso da força. Ou não será assim?

3 comentários:

Rantas disse...

Bom, eu concordo que a ONU possa recorrer à força, nem que seja uma força de manutenção da paz. Havendo necessidade e estando reunidos os devidos consensos.

O ataque ao Iraque revelou-se desnecessário (porque não havia armas, porra!) e desde o início que não reuniu o consenso dos tais Países mais poderosos e responsáveis.

O ataque ao Iraque foi um erro - espero que não tenha sido fatal - na medida em que dispersou as forças ocidentais do combate no Afeganistão (os talibans estão cada vez mais fortes), na medida em que deitou por terra a autoridade moral ocidental (tantas vezes confundida pelos americanos com superioridade moral), na medida em que criou e aprofundou inúmeras inimizades mortais (o Iraque passou a estar relacionado com a al-Qaeda, coisa que dantes não sucedia), e em muitas outras medidas.

Não vale a pena chover no molhado, nem sequer chorar sobre leite derramado (não é só o Fernando Gil que é filósofo, hoje sinto-me particularmente filosófico). A invasão do Iraque foi um erro e pronto. Resta-nos agora encontrar a melhor forma de ganahrmos a guerra. Porque só não tenho dúvidas sobre um assunto - a guerra ou se ganha ou se perde, mas não há como fugir dela. Especialmente depois do Iraque...

El Ranys disse...

Manolo,

Apresentas primeiro um exercício de ficção pura, em que constróis uma União de Países pura, com uma total comunhão de valores, interesses e ideais, e daí partes para a legitimação da guerra no Iraque.
Quanto a esta, com os dados que agora temos (a não existência de armas de destruição massiva), podemos dizer que é um disparate.
Se houve mentiras, se Bush e Blair e Aznar já sabiam que não existiam estas armas, então devem ser fortemente censuardos e penalizados pela sociedade global.
Se, ao contrário, acreditavam mesmo que essas armas existiam, surge um fumo de legitimação da guerra.

O que não se deve é partir da ficção para justificar a realidade.
A ONU não é a UP de que falas, a vida não é um mar de rosas, o concerto das nações nunca falou a uma só voz e só uma opiniao pública esclarecida poderá inverter o estado das coisas, impondo aos vários poderes em todo o mundo o primado do respeito pela dignidade humana.
Assim, sem ficção. Só Razão, como tu gostas. Quem é amigo, quem é?

Alex disse...

É um post de uma ingenuidade total. Parece que isto é um conto de fadas onde há os bonzinhos e os maus. Infelizmente não é assim. A verdade é que a invasão do Iraque não foi legitimada pela ONU. Foi contra a ONU. O relatório Blix só tinha uma conclusão: Precisamos de mais tempo para as inspecções!
A realidade é que depois do 11/09, a ONU legitimou a ofensiva no Afeganistão, onde a Al-Qaeda tinha os seus campos de treinos. Foi a NATO que ficou lá. O Iraque, após a invasão ao Koweit em 1991 estava a sofrer embargos e sanções das Nações Unidas. Tinha o seu espaço aéreo fechado, vendia petróleo por comida, e o clima de guerra ao terrorismo fez abrir uma janela de oportunidade. O Iraque estava à mercê. E lembro que é um dos países com maiores reservas petrolíferas do mundo. Não faço juízos de valor em relação à estratégia do Bush, agora pretender que foi legitimada pelas Nações Unidas é demais. Mais, hoje sabe-se que houve relatórios forjados no sentido de arranjar "provas" que sustentariam a invasão. Graças a Deus que houve países e Homens com um mínimo de pudor!