Nova ideologia


Fala-se frequentemente do fim das ideologias. A definição de ideologia é um pouco vaga: sistema de ideias constituindo “um corpo de doutrina filosófica que condiciona o comportamento”. A questão é que passámos quase os últimos 70 anos com uma “guerra” ideológica tão extremada, tão antagónica e radical que neste momento há como que um vazio por preencher. E faz falta. Porque é necessário acreditar sempre num ideal, ter esperança numa transformação do mundo para melhor, e, para isso queremos tentar contribuir.

A ideologia mais forte e que mais influência deixou em muitos milhões de pessoas, que convictamente acreditaram na transformação do mundo no séc. XX foi, sem dúvida o legado de Karl Marx. Para ele a História tem sido uma permanente luta de classes, entre a dominante e a dependente. Tendo em seu poder os meios de produção, a classe dominante explora os que nada possuem. Em contrapartida, o comunismo conduziria a uma sociedade sem classes onde não haveria diferenças na posse dos bens materiais. A teoria económica marxista baseia-se igualmente no antagonismo entre capitalistas e proletários. O capitalista é senhor dos meios de produção, o proletário apenas possui a sua capacidade de trabalho. Só lhe é pago o salário que é apenas parte do valor do trabalho realizado; a outra parte, a mais-valia, é arrecadada pelo capitalista sob a forma de lucro. Na opinião de Marx o proletariado tomará conta dos meios de produção. O Estado é considerado como um instrumento através do qual a classe dominante exerce o poder, portanto, o proletariado deve, no decorrer da Revolução, apoderar-se do aparelho de Estado. Na fase de transição dominará a ditadura do proletariado, mas o objectivo a atingir será o de uma sociedade sem classes.

A ideologia oposta é o capitalismo económico baseado na propriedade privada, na procura do lucro, através do mercado livre e na livre concorrência entre empresas. Defende a liberdade individual de expressão e associação, perseguindo o primado da Lei e, sendo democrático, baseia-se na eleição de representantes, protegendo também o direito das minorias. O papel do Estado é o de redistribuir os rendimentos (através dos impostos) pelas faixas mais carenciadas da população.

Estas são as raízes básicas das duas ideologias que originaram tantos ismos. Hoje as coisas e as causas não são tão preto-e-branco. Apercebemo-nos que vivemos um período que à falta de melhor chamamos Globalização. Ninguém sabe muito bem o que é, e há muitos que são fortemente contra, anti-globalização, outros que lhe negam a existência e ainda outros que vislumbram uma orquestração dos poderosos da Terra. Para mim significa que a visão é global, em todos os sectores da actividade humana. Tanto é um fenómeno da Globalização o encerramento de fábricas das multinacionais para abrirem em países de mão-de-obra barata como o é, a ajuda das Organizações Não-Governamentais (médicos sem fronteiras, etc). Penso que a grande crítica que deve ser feita, é que a procura do lucro não pode justificar tudo, e há uma obrigação por parte do poder político e económico de construir mecanismos que evitem as desigualdades e os efeitos secundários do chamado capitalismo “selvagem”.

Como as posições ideológicas não estão claras, o posicionamento relativamente a estas questões novas é também confuso. O sistema capitalista é economicamente aquele que desenvolve e produz crescimento, mas temos que ser uma sociedade que aponte as prioridades para tornar a vida digna à população. Paralelamente a intervenção do Estado deve ser mínima (salvaguardando sobretudo, a distribuição e a colecta de impostos de forma justa e saudável). Por aqui terá que passar a nova ideologia.

As empresas e os trabalhadores não podem ser inimigos e têm que “negociar” os entendimentos que interessem a ambas as partes; a visão marxista, verdadeira no seu tempo, deve ser abandonada, sob o risco de impossibilitar o desenvolvimento (ou, dramaticamente de sermos ultrapassados, sem acesso a bens e serviços*), mas, enquanto não existir uma nova ideologia que a substitua, o marxismo continuará a ter lealdades.

Em conclusão, há um vazio de ideologias, ou de lideranças com visão de futuro. Isso gera conflitos em que a posição predominante é “estar contra”. E isso é dramático. Gostava que essa nova ideologia viesse da Europa, mas provavelmente, e infelizmente (ou do mal o menos) os Estados Unidos terão a primazia na política global, no rumo da História.


* Queremos crescer economicamente, ano após ano, sempre? Mesmo optando por não o fazer (que na verdade, não é opção), na economia global passamos a estar completamente dependentes de outros e com atraso irrecuperável. A competitividade é um fardo do nosso tempo contra o qual não podemos “enterrar a cabeça”.

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom post, mas nao concordo.

Nao acho que exista um vazio de ideologias. A luta ideologica entre as duas correntes que mencionas, estado/colectivo v mercado/indivduo, continua de actualidade. O que é preciso discutir é onde deve ficar o ponto de equilibrio. Este ponto varia consoante os ismos de que tu falas, mas essa nova ideologia que hoje falta terá também de sair de um novo posicionamento desse ponto que, in my humble opinion, terá que estar muito mais para o mercado do que como está hoje em Portugal.

O 'estar contra' é um fenómeno muito mais Portugues do que outra coisa qualquer e é histórico, está-nos no sangue de treinadores de bancada.