Islão, Freitas & Cia.- breves notas

Antes de tudo, uma nota para leitores apressados: nada do que vou escrever tem a ver com ser melhor ou pior, superioridades ou inferioridades de qualquer religião nesse estrito plano, o da Fé.
Sem querer puxar de quaisquer galões, recordo a opinião que há muito tempo defendo, contra quase tudo e quase todos, de que o que está em curso é uma guerra de civilizações (reparem que não disse guerra religiosa).
O Islão, na sua génese, foi antes de tudo um projecto político de união de tribos árabes, que usou o elemento religioso como cimento. As próprias cisões em ramos (sunitas, xiitas, etc.) post Maomé são cisões não doutrinárias, mas de poder.
A origem da religião cristã é completamente diferente, apesar de mais tarde ter sido usada também como instrumento ao serviço de várias políticas e vários poderes. O ponto é que estamos perante dois códigos genéticos que não podem ser vistos no mesmo plano, e que têm consequências.
E para quem gosta de apresentar o fanatismo islâmico como uma consequência da pobreza ou da questão palestiniana, não posso deixar de recordar que as causas das Cruzadas, tantas vezes brandidas como o exemplo dos propósitos «imperialistas» do Cristianismo, se fundamentaram na proibição pelos muçulmanos do livre acesso aos lugares santos de Jerusalém às outras religiões.
Nos nossos dias, o problema que se põe é de ordem civilizacional: o islamismo não sofreu o impacto de qualquer Reforma e, principalmente, não fez a separação entre a Igreja e o Estado. E nas diferenças de desenvolvimento que os modelos permitiram ficaram irremediavelmente mais pobres, mais fracos e internamente mais desiguais, mesmo banhados em petróleo. Diria mesmo que a matriz política destes países tem muito mais a ver com o feudalismo do que com todo o período pós revolução industrial no Ocidente, e estou conscientemente a incluir zonas negras da nossa história, como o nazismo, o fascismo ou mesmo o salazarismo.
E a uma civilização que mantém a pena de Talião, a lapidação, a mulher como um sub ser humano, a liberdade como um privilégio, etc. etc. etc. eu digo decididamente não. Não quero nem sequer respeito. Justificar com crença e Fé religiosa práticas que no século XXI têm que ser consideradas criminosas é indigno e incompatível com os mais elementares valores.
Se a ONU e a ordem mundial, , a não ingerência, o petróleo têm sido razões para alguns (quase todos) fingirem que não veêm e convivido com estas sociedades, quando eles querem mais (e digo eles propositadamente, para as boas consciências esquerdistas me catalogarem de xenófobo e assim rejeitarem em bloco o que expresso), quando por meios violentos e cobardes querem impôr o seu modo de vida ao mundo, aí temos que reagir e lutar a guerra que nos declararam.
E nada de balelas sobre o Iraque ou o Afeganistão, o 11 de Setembro foi antes disso. Bush, com as suas limitações naturais, e Blair foram dos poucos a compreender as suas consequências globais.
Mesmo falar em países árabes moderados, porque não seriam religiosamente fanáticos, faz-me alguma confusão: como é que as mulheres, a Justiça e os Direitos individuais (para não dizer humanos) aí são tratados?
A real politik pode não permitir que mudemos o Mundo, mas a partir do momento em que somos atacados temos a obrigação de defender as nossas sociedades e a nossa forma de vida. Mesmo que com custos altos. Sim, a possibilidade de haver capacidade nuclear/biológica no Iraque justificou a guerra, sim o Irão não pode desenvolver estas capacidades, sim podemos (devemos) deixar publicar cartoons que expressam opiniões (a sua admissibilidade em termos de respeitar os outros será, como em qualquer Estado de Direito, verificada pela Justiça a posteriori, punida quando caso disso).
E não, não podemos ter Ministros dos Negócios Estrangeiros que nos põem de joelhos, ridículos e que nos ridicularizam. Mas só quem não acompanhou o percurso de Freitas do Amaral estranhou.

9 comentários:

manolo disse...

O que mais me custa é perceber que muitos ocidentais (e até intelectuais, com obrigações) manifestam uma subserviência a tudo o que é proclamado pelos muçulmanos. Não compreendem que eles não respeitam a nossa cultura, a nossa visão, o nosso modo de vida. Parecem envergonhados pela nossa História! Para os muçulmanos radicais, que têm uma enorme influência sobre todos os outros, o tempo parou e exigem que o mundo volte ao tempo do Profeta. E os factos são que as nossas próprias leis são alteradas por sua exigência, como expôsto por Oriana Fallaci.

Anónimo disse...

Por curiosidade fui dar uma vista de olhos ao grupo do 475 e ao que lá se falou, por alturas do 11/9, sobre a guerra das civilizcoes e as causas do extremismo islamico.

Os emails sao muito longos e nao os li todos mas, assim por alto, havia duas correntes:
- uma que dizia que o atentado foi essencialmente a expressao de uma guerra entre civilizacoes, fundamentada pelo fanatismo religioso e pela jihad.
- outra inclinava-se mais para procurar a causa do atentado na expressao da revolta pelas condicoes socio, economicas e politicas dos paises muculmanos, causadas pelas "más" politicas externas ocidentais (mainly USA).

Ainda se lembram de quem estava em que corrente?

obelix disse...

Harpic, não é difícil. O giro é ver as evoluções...

Rantas disse...

Eu estava na segunda :-))

Rantas disse...

E ainda por lá continuo, aliás. Mas nunca me considerei dono da verdade, apesar do que possam pensar alguns gauleses...

manolo disse...

Caro Obelix, não leves a mal, por favor, mas o teu comentário serve-me de pretexto para, , aprofundar alguns pensamentos, sabendo que a minha evolução partiu da corrente que defendia que “o atentado foi essencialmente a expressao de uma guerra entre civilizacoes, fundamentada pelo fanatismo religioso e pela jihad” que o Harpic caracterizou. Penso que o Harpic nos poderia enviar o tal fórum do 11/9.
Desde sempre assíduo leitor da história do povo judeu afirmei que “a grande questão ainda não resolvida é a aceitação do direito de Israel existir e não encarar isso como algo que têm que expiar”. Para afirmar o direito e contra os que o recusam, ou sejam os muçulmanos. Todos os bons muçulmanos .Terá Israel o direito de existir?
http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=18601024&postID=113361088559448328
11 Setembro e Guerra do Iraque, foi um tema que nos apaixonou a todos, e sempre me senti “atacado” como americanista e defensor de Israel, porque me parece que o seu desejo de paz foi sempre muito mais real e profundo. Relativamente à guerra, penso que “quem nunca procurou actuar de acordo com a legitimidade foi o Iraque e não os Estados Unidos” e que “ ninguém tem simpatia por Saddam. Um tirano violento que, idealmente, devia ter sido derrubado pelo seu próprio povo.” Compreendi e aprovei no geral as opções dos Americanos e Ingleses e julgo que a Alemanha e sobretudo a França não fizeram a melhor opção, não tirando as consequências da 1441. O “11 Setembro de 2001 que desencadeia uma onda de indignação pela violência injustificável do terrorismo” marca decisivamente o rumo. Foi a declaração de guerra dos radicais islâmicos. Em minha opinião, o procedimento seguido “de se construir um modelo democrático”, e “entregar aos iraquianos o seu próprio destino” é o correcto, aquele que pode ter futuro (?). Após a guerra do Iraque acho que “o erro capital é ligar Iraque ao terrorismo”, foi um meio que justificou os fins (como sempre há sempre alguma injustiça, o contrário é utópico)
http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=18601024&postID=113370030015052885
O meu desejo para 2006 é a Paz Israelo-Palestina; dou voz ao embaixador de Israel no seu discurso após a morte de Arafat, a quem critico profundamente, “they never miss an opportunity to miss an opportunity” por falhar quando poderia e deveria ter sido um Homem de Estado. Acredito que haverá um caminho, e elogio os “courageous Arab leaders”, que permitiram a paz com o Egipto e Jordânia. Defendi também, sempre, que “o caminho seria “to empower the moderates”,
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que concretizo na Questão Turca, que sei que não é a solução ideal, “Para a União seria bem melhor que os turcos formassem um bloco “amigo”, mas pesando os contras, “a entrada turca na União Europeia será, no máximo, tolerada, os turcos são “convidados” indesejados” e os prós, declaro que “É uma aliança de civilizações contra o obscurantismo, o radicalismo islâmico e o terrorismo da Jihad.”. A prazo, é a melhor estratégia, para evitar uma guerra global, que devemos evitar, apoiando a entrada da Turquia na União Europeia. Talvez em 2015 ou 2020. Acabo por reconhecer ser “um mal menor e necessário” para ajudar a resolver os problemas Israel e Palestina, Afeganistão, Iraque e assim evitar a guerra que o Irão, a Síria parece nos quererem levar, e também a civilização muçulmana liderada por ulemás e pela Sharia (milhões na Europa) que apoiam os radicais e terroristas.
A propósito da vitória do Hamas ainda tenho uma esperança “Será que este dado novo servirá para clarificar qual a vontade dos palestinianos? Paz e convivência com o vizinho Israel ou, a luta pela extinção de Israel até a sua "culpa" estar totalmente paga?”,
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No Islão inimigo da Razão, critico abertamente uma “espécie de complexo de inferioridade intelectual
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que parece existir por algumas elites europeias”, e aqui refiro-me já à questão ideológica que iniciei no “Esquerda, Direita e a Mudança” “E a luta agora é essa: não entre esquerda e direita e sim entre os que querem enfrentar a mudança e aqueles que a negam e só admitem conservar aquilo que têm”. Liguei uns aos outros, a esquerda herdeira do marxismo com o pensamento “esquerda “esquerdista” que não consegue substituir a utopia que foram as grandes revoluções na União Soviética e na China. Atingido o apogeu do falhanço, sem argumentos, após anos e anos de crença, hoje voltam-se para uma atitude sobretudo de “quanto pior, melhor” e procuram a revolução”, talvez sem se aperceberem na sua própria argumentação. Caricaturando, trata-se de defender, “sobretudo, o primado da Razão sobre o Obscurantismo”. “Há um vazio de ideologias, ou de lideranças com visão de futuro”, e entro em contradição pois apelo a uma “nova Esquerda, representada por Tony Blair, Zapatero, Sócrates, (Ângela Merkel) na Europa,” pois não fico obviamente satisfeito com a designação, pois nesta corrente de mudança (como oposto à não-mudança) também teria lugar Cavaco (e coloquei a chanceler alemã) e chamar-lhe nova esquerda é preguiça mental. Descrevo quatro linhas que se baseiam na negociação (a estabilidade democrática, a reforma da Administração, ao Estado o que é do Estado (cumpridor), à economia o que é da Economia (regulada) e, também a tal aliança de civilizações com a Turquia (como limite da União). Aliás reconheço imediatamente que também são pontos igualmente defendidos pela Direita. Mas é esta maioria que tem que assumir o lado vencedor da História, da Mudança. Aproveitar as oportunidades da globalização, assumindo e minorando as desvantagens. E critico fortemente a Esquerda que não se adapta, não desperta para as causas que valem a pena e que não são devidamente valorizadas, ou são preteridas por causas inúteis. Justifico o triste apoio a Cavaco pois “neste tempo de mudança, de reformas difíceis que exigem sacrifício e originam sofrimento é […] o melhor para Portugal. Não tenho dúvidas que esse sinal é dado muito mais por Cavaco, e relativamente aos “candidatos de “esquerda”, onde muitos se sentem representados, são precisamente os obstáculos à mudança; não parecem entendê-la, normalmente manifestam-se anti-globalização (!), fazem da conservação dos direitos “adquiridos” a sua bandeira,”
http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=18601024&postID=113614991818639231

obelix disse...

Rantas, a pequena aldeia gaulesa de que faço parte sempre reagiu contra os «donos da verdade», sempre lutou pela Liberdade. Daí que lhe suscitem reacções epidérmicas quaisquer tentativas, mesmo que inconscientes, de tornar os nossos critérios os únicos que todos podem seguir. Ainda bem que não te consideras dono da verdade...
Manolo, não sei porque te haveria de levar a mal. Mesmo que tivéssemos opiniões diferentes (e, salvo na questão turca, até pensamos aproximadamente da mesma maneira), ambos as defenderíamos porque nelas acreditávamos e tínhamos argumentos que considerávamos superiores. Quanto à Esquerda e Direita, a ideia de que a diferença acabou ainda não me convenceu. Se no plano da actuação económica o mundo globalizado poderá ter apagado desigualdades na acção (e cuidado, não identifico liberalismo com Direita nem intervenção do Estado com Esquerda), o «mito fundador» da Esquerda, o Rousseauneano bom selvagem, cria uma diferença genética que tem consequências, nomeadamente na procura de justificações para actuações injustificáveis, que à Direita se tem menos problema em combater.

Alex disse...

Caro Harpic, gostei do post. Já comentei no Islão inimigo da Razão, na RdM sobre o Freitas e fiz um post sobre a crise das caricaturas.
Mas quero comentar em relação Às nossas discussões de 2001. Fui reler os textos (3) que fiz e, além de ser bastante interessante observar essas discussões, digo-te que quase não altero nada.
No último desses textos (que não sei se alguém conseguiu chegar ao fim ) eu punha várias citações de todos sobre os assuntos. Em relação ao conflito israelo-palestiniano todod concordámos que era um factor instigador do terrorismo. Em relação à guerra de religiões ou choque de civilizações queríamos que não descambasse para aí. Em relação a um ataque ao Afeganistão todos, excepto o Obélix, achava que não resolveria nada. A grande divisão era quanto à justificação do 11/09. Os do partido pró-americano achavam que os do partido anti-americano culpavam a politica dos Americanos. Enquanto uns diziam que o atentado não tem justificação e tentar encontrar as causas é justificar, eu e outros achamos importante tentar perceber as motivações. De resto continuo a pensar que o ataque ao Afeganistão e ao Iraque foram erros de estratégia. A verdade é que o terrorismo não diminui, e estamos hoje numa situação bastante mais perigosa.
Saúdinha

Rantas disse...

Acrescento ainda: o ataque ao Iraque foi um enorme erro - bastante pior que o ataque ao Afeganistão, que na realidade já nem sei se se justificou totalmente ou não.
Mas a deposição de Saddam, com as mentiras envolvidas, com o viveiro de terrorismo que acabou por originar, não têm perdão. Enfim, agora só temos é de tentar encontrar uma saída a isto, não vale a pena chorar sobre leite derramado. Venham o Irão, a Síria e quem se puser a jeito. Quantos são, quantos são?