11 Setembro e Guerra do Iraque


Passado algum tempo dos acontecimentos e arrefecido o calor das discussões, quero sistematizar a minha opinião sobre a Guerra do Iraque:

Reforçou a posição das Nações Unidas?
Foi uma acção criminosa premeditada por parte de poderosos imperialistas, que têm como único objectivo dominar o Planeta?

O enquadramento histórico é a queda do Muro de Berlim, o fim da guerra fria, o acordar da China, a balcanização dos Balcãs, e também a ambição de Saddam pelo Kuwait, após terminar uma sangria com os seus vizinhos iranianos, e transformar o seu Iraque num país onde a única lei era a sua, apoiado pelos Ocidentais numa lógica de bipolarização (USA vs URSS). O aparecimento / amadurecimento do fundamentalismo islâmico (o Iraque a ser uma honrosa excepção) marca também o tempo.

Pela primeira vez as ONU desencadeiam acções ofensivas para repor a ordem e o direito internacional e uma gigantesca coligação expulsa sem dificuldade os iraquianos do Kuwait. Os xiitas do sul pretendem continuar até à queda do ditador, mas não têm o apoio necessário e Saddam perpetra uma carnificina. A partir daí as ONU castigam o Iraque mas, infelizmente os resultados dessas acções são mais miséria para o povo iraquiano e escândalos financeiros no petróleo por medicamentos.

Depois há um acontecimento decisivo, incontrolável, que mudou a visão de uma parte do planeta: o 11 Setembro de 2001 que desencadeia uma onda de indignação pela violência injustificável do terrorismo. A política dos Estados Unidos mudou. Contra o Terrorismo. As ONU delegaram numa coligação liderada pelos Estados Unidos e deu-se a invasão do Afeganistão. Ficaram a tentativa, que continua, de se construir um modelo democrático pelos afegãos e as forças de Manutenção da Paz (sobretudo alemãs) das ONU ficam no terreno. Mas as ONU não se esqueciam do Iraque, claramente sob a ideologia dos Estados Unidos, e exigiam cumprimento de inúmeras recomendações do Conselho de Segurança das ONU. E aprovam por unanimidade a Resolução 1441 (inclusive a Síria) que dizia, em termos simplistas, que se o Iraque não cumprisse com as exigências (evidenciando acções para cooperar com as sucessivas inspecções das ONU) assumia as consequências. Fazia depender do Relatório Blix. Após análise dos documentos há quem conclua: “a não cooperação do Iraque, amplamente evidenciada, produz uma forte presunção de culpa, directamente punível em virtude da R1441, confirmada pelo R. Blix”, ver Impasses de Fernando Gil.

Assim a resposta à primeira pergunta é, de facto que a posição das ONU nunca estiveram tão reforçadas. Todos os processos foram conduzidos pelas instituições das ONU, simplesmente faltou alguma coerência. Não houve nenhuma resolução a ordenar a invasão, nem nenhuma que a impedisse. Mas a mudança foi grande e a reforma das ONU não está tão distante como pode parecer. Qualquer país que ameace a ordem internacional sabe que se houver vontade nas ONU, pode pagar por isso. Este é um aspecto puramente legal.

No terreno político o terror imposto “obrigava” a acções, que como se veio a verificar à posteriori, nem estariam directamente ligadas. O Iraque? Óptimo, pois é um país mau e, além disso tem recursos fundamentais. Ninguém tem simpatia por Saddam. Um tirano violento que, idealmente, devia ter sido derrubado pelo seu próprio povo. A campanha militar é irreversível e atinge Bagdad. Saddam é feito prisioneiro. O erro capital é ligar Iraque ao terrorismo e tecnicamente garantir a existência de armas de destruição maciça. Porque não é verdade e, parece que já na altura o sabiam. Mas a resposta à segunda pergunta é precisamente o contrário; quem nunca procurou actuar de acordo com a legitimidade foi o Iraque e não os Estados Unidos, que não pretendem alargar o seu “império”, mas, (também simplista), querem entregar aos iraquianos o seu próprio destino (com eleições para criar uma Constituinte a ser referendada) enquanto o matar por matar não é bem visto nas sociedades Ocidentais.
Daqui por 20 ou 30 anos é provável que o Iraque seja uma potência económica e democrática daquela importante região (ver Japão e Alemanha, os derrotados da guerra 39-45). Assim até lá, o inimigo novo, chama-se terrorismo e devem ser as ONU a tomar as resoluções para o combater, pois nada será como antes da nossa Era, os inícios do séc. XXI.

4 comentários:

Alex disse...

Desde a queda do muro de Berlim que o mundo é unipolar. Apenas existe uma potência militar global.
A tentativa de ligar o 11 de Setembro à invasão do Iraque é frouxa. Foi um pretexto. O regime de Saddam foi abjecto, mas não metia medo a ninguém. A invasão não foi legitimada pela ONU. Esta deu mais tempo à comissão Blix para continuarem as inpecções mas os USA não estavam para esperar mais. Considero que esta foi a prova que a ONU não tem poder efectivo, este está com os USA. A resolução 1441 foi baseada em provas falsas como está hoje provado.
Poderemos pensar que o Império Americano pode trazer paz e prosperidade aos povos (como o Império Romano trouxe) mas a questão é que as outras Nações prefereriam ter elas próprias esse poder. A história da humanidade é a história da luta pelo poder. É normal que os USA queiram manter esse poder. Mas a sua politica externa não me parece favorecer a tal paz e prosperidade no mundo. Tem que haver alternativas. Hoje, parece-me que o mundo não está mais seguro, resultante, também, deste modo de actuar dos USA.
Saúdinha

Rantas disse...

Eu creio que as duas questões do poste estão mal colocadas. A resposta à primeira (se a ONU saiu reforçada): não, não saiu. O ataque ao Iraque foi realizado à revelia da ONU, contra a vontade da ONU, acima das leis e da orgânica de funcionamento da ONU. Se agora existe uma plataforma comum de diálogo, é porque a ONU não guarda ressentimentos e tem de desempenhar um papel central na forma como os americanos se têm de desenvencilhar da sua aventura iraquiana que lhes saiu muitíssimo mais cara do que tinham previsto. A segunda pergunta (se a acção americana foi criminosa e premeditada por poderosos imperialistas blá blá blá)não merece resposta, por ter sido elaborada de forma tão tendenciosa e facciosa.
A pergunta que merece resposta, na minha opinião, é: o mundo está mais seguro agora? E a reposta, infelizmente, só pode ser Não. Em maiúsculas, mesmo, por o incremento de insegurança ser tão gritante.

manolo disse...

Obrigado pelos comentários. "A história da humanidade é a história da luta pelo poder" diz Alex e com razão. Também que o 11 Setembro foi um pretexto. Concordo. Não há guerras legítimas. Penso, que se a França e a Alemanha não queriam assumir as responsabilidades não podiam ter votado a R1441 (provas falsas??). De agora em diante as resoluções da ONU têm muito mais força. O 11 Setembro para os americanos foi uma declaração de guerra. Invadiram o Afeganistão e, aproveitando o processo já longo do Iraque no Conselho de Segurança quiseram também invadi-lo. A vontade do povo americano (e da Administração) só existiu devido ao 11 Setembro. Evidentemente não havia ligação ao terrorismo (e foi um erro tentarem justificá-lo desta forma). A justificação foi apenas aquilo que estava na R1441. Relativamente à 2ª questão, reconheço que é uma caricatura, Rantas. Mas a quem se aplicará melhor? Não aos americanos. Porventura ao regime de Saddam. O tempo vai ajudar. E se existir um país aliado, democrático, desenvolvido naquela região, será extremamente positivo. Assim os sunitas o queiram

manolo disse...

ver R1441 de 8.11.2002
http://www.voltairenet.org/article9054.html

ver Relatório Blix
http://www.un.org/Depts/unmovic/documents/6mar.pdf